PRINCÍPIO INTELIGENTE - Individualização


Questão relativa à

INDIVIDUALIZAÇÃO

 do PRINCÍPIO INTELIGENTE

Francisco Aranda Gabilan

Dentre os estudiosos dos aspectos mais intrincados da Doutrina Espírita, estabeleceu-se uma controvérsia a propósito de quando o Princípio Inteligente se individualizaria; em síntese: se tal se daria já a partir do reino mineral, ou somente a partir do reino vegetal. A grande maioria  ‑ ao menos é o que se deduz de seus escritos, às vezes não muito categóricos  ‑ defende a primeira tese, enquanto que a segunda tese tem como grande defensor o autor da obra “Evolução do Princípio Inteligente”, Durval Ciamponi, de muitas luzes sem dúvida, mas que pode merecer contestação.

Arrogamo-nos o direito (mais que isso: o dever) de adentrar no assunto tecendo rápidas considerações para filiar-nos ‑ por coerência simplesmente ‑ à primeira corrente.

Com efeito:

Vê-se no basilar livro da Codificação “A Gênese” (Cap. XI, item 23) que “Na opinião de alguns espiritualistas, o Princípio Inteligente, distinto do Princípio Material, se individualiza e elabora, passando pelos diversos graus da animalidade.”

Destaque necessário: Se por um lado há aí a afirmação de que tal individualização se dá na “animalidade” (portanto, excluindo os graus inferiores da criação), Kardec afirma expressamente que tal é a OPINIÃO DE ALGUNS ESPIRITUALISTAS...

Questão análoga encontramos no Livro dos Espíritos (questão 607-A): Kardec afirmara aos Espíritos que lhe parecia que “se pode considerar a alma como tendo sido o princípio inteligente dos seres inferiores da criação”, perguntando se isso é verdade.

Destaque: Kardec se referiu aos seres inferiores da criação, sem especificar de quais reinos.

Na resposta a essa questão, os Espíritos responderam: “(...) Nesses seres, cuja totalidade estais longe de conhecer, é que o princípio inteligente se ELABORA, se INDIVIDUALIZA pouco a pouco e se ensaia para a vida...”

Outro destaque: “nesses seres” significa os “seres inferiores da criação”. Ainda aqui não se especifica de quais reinos.

Se tivermos presente que a origem da palavra SER está na designação filosófica “ESSÊNCIA” (natureza primeira, principal, “Esse”=Ser), temos uma redundância: o Ser é o próprio Princípio Inteligente, e este é o Ser, esteja ele no estágio em que estiver dentro da criação, em qualquer dos seus reinos. O fato é que “ele” É, EXISTE, desde que criado.

Kardec, na Introdução do Livro dos Espíritos, item XVII, afirma categoricamente: “Se se observa a série dos seres, descobre-se que eles formam uma cadeia sem solução de continuidade, DESDE A MATÉRIA BRUTA ATÉ O HOMEM MAIS INTELIGENTE.”

Citando sábios, filósofos, cientistas e doutrinadores, MANUEL DE O. PORTASIO FILHO (Deus, Espírito e Matéria, Cap. Evolução, pg. 125), explica com precisão, que subscrevemos:
                                                                  “Cada um vendo o tema sob um prisma, mas todos incluindo sempre, em primeira instância, o reino mineral. É que se trata de uma escala hierárquica, em que todos os graus têm sua importância e razão de ser. Quanto ao ser-fragmento (refere-se ao princípio inteligente na ação da individuação), NÃO EXISTE MOTIVO PARA QUE, JUSTAMENTE NO MOMENTO EM QUE INGRESSA NAS INSTÂNCIAS EXISTENCIAIS DOS REINOS DA NATUREZA, SALTE ESSE PRIMEIRO REINO.”

Neste passo, o que se afigura mais necessário é definir-se o que significa INDIVIDUALIZAÇÃO, que parece ser uma outra questão que não se confunde com a criação “individual” do Princípio Inteligente, mas que diz respeito ao seu estado de identificação, de particularização.

É de todo conveniente pesquisarem-se definições de tais expressões:

Individual (quanto à criação do Princípio Espiritual): peculiar, particular, especial, singular; vale dizer que ele é criado uno, próprio, com essência própria, singular, único, isolado, distinto, especial (todas definições e sinônimos do Dicionário de Francisco Fernandes) -  e, exatamente por isso, é claro, PERFECTÍVEL (LE, 116). Aliás, esse adjetivo deriva do substantivo “indivíduo”, que significa “aquilo que não se divide, indiviso”, “pessoa considerada isoladamente em relação a uma coletividade” (Dic. Brasileiro da Língua Portuguesa): um “ente, entidade, ser...” (Francisco Fernandes).

Individualização: particularização, especificação, caracterização, distinção especialização (sinônimos explicativos da mesma fonte supra). Vale dizer: é uma elaboração do Ser (com os Espíritos definiram a Kardec, vide supra), sendo que elaboração significa “organização, ordenação, trabalho, modificação” (Francisco Fernandes). Em outras palavras, individualização, no sentido empregado na Codificação, significa aquilo que o Ser (enquanto princípio) agregou de experiências para que ele pudesse literalmente ser identificado (quanto a outros seres da criação) com um indivíduo.

Portanto, um Ser (um indivíduo) ele já era. Passou a ser reconhecido como tal quando ele literalmente “se ensaia para a vida” (LE, 607, a), ou seja, ao que nos parece no grau de desenvolvimento do intelecto em que estamos, no reino vegetal, a partir de quando temos a definição de vida: Princípio Inteligente + Princípio Material + Princípio Vital. Antes disso, ainda desconhecemos a manifestação da chamada “vida” com a ótica do mundo material.

Convém acrescentar, ainda juntamente com a análise precisa de Manuel de O. Portasio Filho (idem), “Se nos reinos vegetal e animal, por exemplo, parece-nos mais cristalina a presença do ser-fragmento, do Princípio Inteligência, pelas características peculiares de cada reino: se um exame ordinário da maioria das suas espécies, revela-nos a presença ineludível do ser inteligente ali, no reino mineral, a verificação é seguramente mais difícil.”

Entretanto, quanto à “consciência do eu” (que é um estágio avançado, mais elaborado e aperfeiçoado da individualização), somente se dá no estágio do “reino hominal”, visto que antes a inteligência permanecia em estado latente, nos reinos imediatamente anteriores. Confira-se na questão 598 do LE: (...) “alma dos animais” (...) “Conserva sua individualidade; quanto à consciência do eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado latente”.

Aos mais afoitos, pode tudo parecer um mero jogo de palavras, mas não é. Desse raciocínio deriva uma conclusão razoável: O Princípio Espiritual estagiou por todos os reinos desde a sua criação, tanto que é um dos elementos fundamentais e constitutivos dela; porém, se individualizou após o conhecimento (elaboração evolutiva) das leis da mesma criação, de como elas atuam, inclusive as de atração, coesão e outras que vigoram nos primários reinos, incluindo o mineral.

Esta conclusão está em consonância com a informação dos Espíritos quando conceituaram para Kardec o conteúdo integral da Criação (questão 27 do Livro dos Espíritos), a que denominaram de “trindade universal”: DEUS, ESPÍRITO e MATÉRIA. O Criador e suas criaturas, criadas: o primeiro para evoluir incessantemente; a segunda para servir àquele de instrumento dessa evolução. Filosoficamente e em tese não há que se falar qual dos dois (Princípio Inteligente ou Princípio Material) foi criado primeiro... Se o Espírito (leia-se aí o Princípio Inteligente) foi criado perfectível (questão 116 do Livro dos Espíritos), e, para isso, tem de atuar na Matéria, deduz-se claramente que ele foi criado como uma individualidade para atuar (imediatamente) no primeiro reino da natureza (matéria por excelência), e, a partir dali, ganhar experiências que o tornariam identificável no futuro.

A matéria é árdua. Fiquemos, em conclusão, ainda na Codificação:

“O PROGRESSO É A LEI DA NATUREZA. A ESSA LEI TODOS OS SERES DA CRIAÇÃO, ANIMADOS E INANIMADOS, FORAM SUBMETIDOS PELA BONDADE DE DEUS, QUE QUER QUE TUDO SE ENGRANDEÇA E PROSPERE.”
(O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. III, item 19, Progressão dos Mundos, Santo Agostinho-Espírito - 1864.)

“...TUDO SE ENCADEIA NA NATUREZA, DESDE O ÁTOMO PRIMITIVO ATÉ O ARCANJO, POIS ELE MESMO COMEÇOU PELO ÁTOMO. ADMIRÁVEL LEI DE HARMONIA, DE QUE O VOSSO ESPÍRITO LIMITADO AINDA NÃO PODE ABRANGER O CONJUNTO”
(Nota de Kardec à questão 540 do LE, tradução de J.H.Pires. No mesmo sentido, RE, 1860, julho, pg. 226, p. 2º, item 8).

 

 

 

 

 

 



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