A ALMA DORME NA PEDRA, SONHA...
A ALMA DORME NA PEDRA, SONHA...
Eu
já tinha dúvidas e me chamava a atenção o fato, mas o culto amigo e diligente
companheiro de Doutrina (ora na presidência da FEESP), escritor de primeira, Durval Ciamponi levantou a lebre, por
duas vezes, no mínimo e que eu saiba: “...a citação geralmente atribuída a ele
(Denis) de que ‘a alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e
acorda no homem’. Não conseguimos localizar onde Léon Denis escreveu essa
frase, para uma análise mais profunda.” (cap. 8, pg. 74, do seu livro
“A Evolução do Princípio Inteligente”); e outra vez, lançando de novo a dúvida
de que “em lugar nenhum de sua obra Allan Kardec afirmou que o princípio
inteligente estagia no mineral, nem o próprio Léon Denis, conquanto se diga que
é dele a frase de que a alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no
animal e acorda no homem” (pg. 7 do Jornal Espírita de Agosto de 1999,
seu artigo sob o título “O Espírito tem fim?”).
Aqui
não vai me interessar a questão de fundo (quando o princípio inteligente se
individualizou), que continua amplamente debatida no seio doutrinário pelos
mais doutos, cada um cheio de razões as mais respeitáveis. O que me move, aqui
e agora, é a minha dúvida, também esposada pelo Durval: a frase é ou não do
Denis? De quem seria, se não for dele.
Em
cima disso, é que vou especular... pesquisando.
Lembrei-me
de ter visto a citação em Herculano Pires: fui direto no excelente livro
“Mediunidade (Vida e Comunicação)” e lá, no cap. XI, pg. 93 da 4ª
edição, encontrei o autor ensinando que “A Ontogênese Espírita, ou seja, a teoria
doutrinária da criação dos Seres (do grego: onto é Ser; logia é estudo,
ciência) revela o processo evolutivo a partir do reino mineral até o reino
hominal. Essa teoria da evolução é mais audaciosa que a de Darwin. Léon Denis a
definiu numa seqüência poética e naturalista: A alma dorme na pedra, sonha no
vegetal, agita-se no animal e acorda no homem”. Mas, lastimavelmente
não cita a fonte, nem indica onde Denis teria dado a lume a definição, apesar
dos qualificativos atribuídos à seqüência: poética e naturalista.
O
mesmo Herculano volta a tratar do assunto no livro “Agonia das Religiões”, cap.
XIII, pg. 109 da 2ª edição, aduzindo à seqüência natural de que já
falara (“o poder estruturador no reino mineral, a sensibilidade no vegetal,
motilidade no animal, o pensamento produtivo no homem”), mas sequer cita Léon
Denis.
Lembrando-me
dos bancos das escolas de Aprendizes do Evangelho, lá vão mais de vinte anos,
socorri-me da memória e fui até o Com. Edgard Armond, onde tinha certeza que
ele citava a frase também e, por certo, daria a fonte exata. Lá estava a
citação no volume VI da série antiga “Iniciação Espírita”, aula 68, pg. 5: “O
Espírito, como já foi inspiradamente dito, ‘dorme no mineral, sonha na planta,
desperta no animal e vive no homem’.” Mas...mas, quem inspiradamente o disse? Onde o fez? Nada...frustração!
Escarafuncha
aqui e ali, deparei com a última frase de Antônio F. Rodrigues, no seu livro
“Como Vivem os Espíritos”, esbarrando no assunto, assim: “E esta revelação é aceita por
todos os espíritas de escol, inclusive o mestre Léon Denis, quando em magistral
síntese exclamou: ‘A alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal
e acorda no homem’ ”. Mas... mas, e a fonte? Não cita, mas parece que o
autor tem absoluta certeza da citação , pois que chama de magistral o poder de síntese
do pioneiro loreno do Espiritismo; mas, parece ter certeza mesmo é que os
espíritas (incluindo os de escol) literalmente aceitam
a revelação sem perquirições.
Restava
ir para o próprio Denis. Como eu nada conseguisse de concreto, falei com todo
mundo --
colegas, alunos, dirigentes, expositores, etc. -- mas
foi a também diligente expositora Joana .......(instada pelo Samuel Angarita),
quem deu o caminho mais fácil da pesquisa: Léon Denis fala do tema no livro “O
Problema do Ser, do Destino e da Dor”, mas de maneira formal diferente das
citadas pelos autores: “...talvez que espírito e matéria não sejam
mais do que simples palavras, exprimindo de maneira imperfeita as duas formas
da vida eterna, a qual dormita na matéria bruta, acorda na matéria
orgânica, adquire atividade, se expande e se eleva no espírito.”
(Primeira Parte, item III, pg. 63 da 21ª edição da FEB). E repete o
tema (Primeira Parte, item IX, pg. 123), porém suprimindo o estágio no reino
mineral, fixando o início da vida no reino orgânico (e Durval se aproveita
solertemente dessa contradição!), assim se expressando: “Na planta, a inteligência
dormita; no animal, sonha; só no homem acorda, conhece-se, possui-se e torna-se
consciente”.
É, parece
mesmo que Léon Denis tratou do assunto, mas não exatamente como vem sendo
iteradamente citado, não ao menos “ipsis
verbis”.
Mas,
se em algum lugar ele proferiu tal expressão (poeticamente, como
apropriadamente o disse Herculano, pois que o mestre loreno foi mais de uma vez
cognominado de o poeta do Espiritismo), com certeza o fez nas suas centenas e
centenas de discursos proferidos ao longo de sua incansável jornada, em
encontros, congressos e conferências pelo mundo afora, inclusive representando
a Federação Espírita do Brasil certa feita (Congresso Espírita Universal de
Bruxelas, maio de 1910). Da minha parte, consultei a compilação feita por
Sylvio Brito Soares, que enfeixou no livro “Páginas de Léon Denis”, onde, mais
de uma vez o mestre resvalou o assunto, mas não em frase incisiva como a
pesquisada.
Mas,
como poeta das letras e das frases que reconhecidamente era, por certo havia
sido inspirado por outros poetas precedentes.
Sabem
porque essa minha afirmação? Tem fundamento: de tanto pesquisar, fui bater de
novo no Comandante Armond, nas anotações da sua antiga aula 77ª do
mesmo citado Curso (VII volume, , pg. 1), quando ele me deu o rumo de quem efetivamente foi o criador da
imagem (e da idéia também) da vida no mineral: “Nos cristais, segundo o conceito
do poeta oriental Sufi Rumi, o espírito dorme; mais tarde ele sonhará no
vegetal, se movimentará no animal, reencontrando-se a si mesmo no homem”.
Eureka!
Mas, quem foi Rumi?
No Brasil
jamais ouvira falar dele. Então fui para o exterior, via Internet, sem falar da
ajuda das pesquisas inestimáveis de alunas do curso de expositores do Semeador,
de Alphaville. Surpresa: Maulâna Djalal ad-Din Rûmi, nascido no século 13
(setembro de 1207), é considerado um dos maiores poetas de todos os tempos,
comparado pelos críticos a Dante e Shakespeare; filósofo e místico do Islã,
deixou uma obra monumental (3.229 odes e 34.662 dísticos; um conjunto de 26 mil
versos de poemas espirituais), estudada e até seguida por Hegel e Goethe,
dentre outros.
Quanto
ao estilo e escola, era sufista, ou seja, representa a parte interior e mística
do Islã, que acredita que o espírito humano é uma emanação do divino e que toda
a aventura do homem é um só esforço ruidoso desse espírito para se reintegrar a
Deus. Esse movimento -- sufismo
-- data do século VIII e se
desenvolveu sobretudo na Pérsia; “o sufi
mantém a idéia islâmica da unidade divina, mas percebe que Deus engloba tudo,
penetra tudo, e descobre Deus no fundo de si próprio. Alguns sufis chegam a
declarar: “Eu sou Deus”, Anota Félicien Challaye, em seu livro “As Grandes
Religiões” (cap. XIV, pg. 248), fazendo pouco adiante menção a Rûmi e sua
importância.
Fomos
ler os poucos poemas existentes em tradução (em inglês são dezenas de milhares)
e, além de nos deleitarmos com a singeleza dos versos, da espiritualização das
mensagens, nos deparamos com o que buscávamos: no livro “Poemas Místicos-Divan
de Shams de Tabriz” (tradução e seleção de José Jorge de Carvalho), lá está, na
página 66, o pema “A Evolução da Forma”. E parte dos esplendorosos (e
espíritas) versos, assim:
“Desde que
chegaste ao mundo do ser,
uma escada foi
posta diante de ti, para que escapasses.
Primeiro foste mineral;
Depois, te tornaste planta,
E mais tarde, animal.
Como pode ser
isto segredo para ti?
Finalmente, foste feito homem,
Com
conhecimento, razão e fé.
Contempla teu
corpo – um punhado de pó –
Vê quão
perfeito se tornou!
Quando tiveres
cumprido tua jornada,
Decerto hás de
regressar como anjo;
Depois disso,
terás terminado de vez com a terra,
E tua estação
há de ser o céu.”
E,
mais adiante (pg. 117), , embevecidos encontramos parte de outro poema, que
citamos pela beleza e por homenagem à ontogênese espiritual do Herculano:
“Por algum
tempo foste os elementos,
Por outro
tempo foste animal,
Por um tempo
serás alma,
É agora a tua
chance
- Torna-te
alma suprema, sê a alma suprema!”
Escrevi
para o tradutor perguntando se havia nos pemas de Rûmi, algo mais decisivo (em
termos da frase atribuída a Denis), ele, gentilmente, respondeu por e-mail: com
certeza a mesma idéia do poeta foi apresentada (por Denis) em paráfrase ao
poema transcrito acima, Evolução da Forma. Ou ainda: problemas de tradução.
E
Rûmi fez escola aqui entre nós: o Espiritismo, via a mediunidade de Francisco
Cândido Xavier e de Waldo Vieira, deu-nos a lume o poema de Adelino da Fontoura
Chaves (Antologia dos Imortais, 1ª edição-FEB, 1963, pg. 33),
denominado singularmente de “Jornada”:
“Fui átomo,
vibrando entre as forças do Espaço,
Devorando
amplidões, em longa e ansiosa espera...
Partícula,
pousei... Encarcerado, eu era
Infusório do
mar em montões de sargaço.
Por séculos
fui planta em movimento escasso,
Sofri no
inverno rude e amei na primavera;
Depois fui
animal, e no instinto da fera
Achei a
inteligência e avancei passo a passo...
Guardei por
muito tempo a expressão dos gorilas,
Pondo mais fé
nas mãos e mais luz nas pupilas,
A lutar e
chorar para, então, compreendê-las!...
Agora, homem que
sou, pelo Foro Divino,
Vivo de corpo
em corpo a forjar destino
Que me leve a
transpor o clarão das estrelas!...
Valeu?
Valeu muito para mim, porque nessa brincadeira de buscar uma frase, acabei
entrando em contato com tanta gente estudiosa e espiritualizada, que faço
questão de passar para os meus companheiros de jornada.
Mas -- que o estimado Durval Ciamponi compreenda
bem --
não digo que valeu pela discussão da individualização do princípio
inteligente, não, porque não tenho luzes para entrar nessa seara, mas,
respeitando as teses alentadas dos doutos, fico aqui do meu canto observando e
absorvendo o que me for possível e estiver ao meu alcance. Enquanto isso, vou
lendo Rûmi e vendo as teses do próprio Espiritismo transparecer em seus versos,
criados há cerca de 800 anos. E vou lendo Denis... e vou lendo Herculano... e
vou lendo Durval... e vou lendo Armond... e vou lendo Kardec, é claro...
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